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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A TRIUNIDADE DE DEUS NOS DOCUMENTOS CONFESSIONAIS PROTESTANTES

Por Jonas Chaves

1.Introdução

As igrejas cristãs protestantes históricas são caracterizadas por sua confessionalidade. Não importa o nome da denominação. Ela sempre será marcada por seu apego à tradição histórica fazendo uso de alguma confissão de fé.
Algo que é interessante e que chama a nossa atenção é a unidade doutrinária existente entre estas confissões. Mesmo tendo sua origem a partir do estudo e da dedicação de homens de diferentes culturas e tradições, a exceção de alguns pequenos pontos de divergência como batismo e escatologia, por exemplo, tais documentos mostram uma impressionante unidade de pensamento no quesito doutrina.
As diferentes doutrinas do cristianismo, como a divindade de Cristo, a inspiração e inerrância das Escrituras, o pecado e a salvação, por exemplo, são expressas nos mesmos moldes pelas diferentes confissões, ainda que com palavras diferentes. Não é diferente com aquela que diz respeito à triunidade de Deus.
Ao longo da história, a doutrina da Santíssima Trindade tem sido aceita, confessada e pregada pela igreja do Senhor sem grandes divergências de opinião a respeito de sua natureza. Quer seja nas confissões, quer em livros de Teologia Sistemática ou em escritos a respeito da divindade, quer nos hinos cantados pelos cristãos, fica evidente a convicção trinitária da igreja.
Nossa proposta é a de analisarmos a doutrina do Deus Triúno nas diferentes confissões de fé do protestantismo histórico. Iremos ver como cada documento, escrito em diferentes ocasiões e por pessoas diferentes, define a natureza da Santa Trindade e a defende das diferentes concepções da composição da divindade. O objetivo deste trabalho é o de despertar nos corações cristãos o interesse em conhecer o que nossas confissões dizem sobre esta tão importante doutrina professada pelo cristianismo universal.

2. Deus é Uno

Um fato notório sobre as diversas confissões de fé protestantes é a ênfase, antes de qualquer coisa, na unidade de Deus. Portanto, antes de começarmos a falar da composição tríplice de Deus, conforme professada nas confissões históricas, veremos o que elas dizem sobre a unicidade de Deus.
Como que para resguardar a Igreja da acusação de triteísmo (a crença em três deuses), as confissões salientam, fundamentadas nas Escrituras, que só há um Deus e que Deus é um só. Este artigo de fé está presente na Bíblia em Deuteronômio 6.4, no famoso Shemá: “Ouve, Israel, Yahweh, nosso Deus, é o único Yahweh”. Esta declaração, que ressalta a unidade de Deus, é repetida até hoje nas sinagogas judaicas.
Para iniciar nossa análise, vejamos a declaração da unidade de Deus na Confissão de Fé de Westminster, que se encontra no capítulo II (De Deus e da Santíssima Trindade): “Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições” . Na continuação, vários atributos são relacionados a este Deus, todos eles no singular. Isto significa que Deus, e somente Deus, é possuidor destas qualidades. Há dois documentos, a saber, a Confissão de Fé Batista de Londres e a Declaração de Savoy, que possuem textos semelhantes ao da CFW.
O Catecismo Maior de Westminster, assim como o Breve Catecismo (ou Catecismo Menor), também começa com a afirmação da unidade divina antes de falar de Sua triplicidade. À pergunta 8, que diz: “Há mais que um Deus?”, responde-se: “Há um só Deus, o Deus vivo e verdadeiro” . Os documentos da abadia de Westminster confessam a uma só voz a unidade da Deidade.
Com esta mesma ênfase monoteísta, a Confissão de Fé da Guanabara, a primeira confissão elaborada nas Américas, inicia a doutrina da unidade de Deus já no seu primeiro artigo fazendo a seguinte afirmação: “Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas as coisas...”.
Conforme já indicado, os documentos confessionais reformados, em sua maioria, seguem esta mesma estrutura, ou seja, afirmam a declaração básica da unidade de Deus antes de qualquer outra elaboração doutrinária sobre a divindade. A seguir, outros documentos e suas respectivas afirmações sobre este tema:
Os Trinta e Nove Artigos de Fé da Religião (adotados pelos Episcopais e Anglicanos), artigo I : “Há um único Deus, vivo e verdadeiro, eterno, sem corpo, sem partes nem paixões, de infinito poder, sabedoria e bondade; Criador e Conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis.”
A Segunda Confissão Helvética, 3º artigo: “Cremos e ensinamos que Deus é um em essência ou natureza, subsistindo por si mesmo, todo suficiente em si mesmo, invisível, incorpóreo, imenso, eterno, criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis, o supremo-bem, vivo, vivificador e preservador de todas as coisas, onipotente e supremamente sábio, clemente ou misericordioso, justo e verdadeiro.”
Confissão de Fé Escocesa, capítulo I: “Confessamos e reconhecemos um só Deus, a quem, só, devemos adorar e em quem, só, devemos depositar nossa confiança. Ele é eterno, infinito, imensurável,incompreensível, onipotente, invisível.”
Confissão de Fé Belga, artigo 1: “Todos nós cremos com o coração e confessamos com a boca que há um só Deus, um único e simples ser espiritual. Ele é eterno, incompreensível, invisível, imutável, infinito, todo-poderoso, totalmente sábio, justo e bom, e uma fonte muito abundante de todo bem.”
Com diferentes palavras, estes documentos afirmam a inequívoca verdade de que há apenas um único Deus. Isto reflete perfeitamente a convicção dos reformadores. A primeira confissão de fé produzida após a Reforma Protestante, que é a Confissão de Augsburgo, diz no seu primeiro artigo: “Em primeiro lugar, ensina-se e mantém-se, unanimemente, de acordo com o decreto do Concílio de Niceia, que há uma só essência divina, que é chamada de Deus e verdadeiramente é Deus.”
É de extrema importância reconhecer esta verdade para se evitar conclusões equivocadas sobre o que a Igreja crê relativamente à doutrina do Ser de Deus e Sua composição. Não somos triteístas, cremos em um Deus apenas. Mas também não somos nem unicistas (que crêem que há apenas uma pessoa na divindade) nem unitários (que, de modo semelhante ao arianismo, negam a divindade do Filho e do Espírito).
Há na Confissão de Augsburgo uma referência ao Concílio de Niceia, que analogamente às confissões citadas, afirmam antes de tudo a unicidade divina. Isto nos mostra que, ao subscrevermos estas confissões, nos identificamos com nossos irmãos do passado mais remoto da Igreja Cristã, e nos unimos a eles na defesa e propagação da fé no Deus uno da Escritura.

3. Deu é Trino

Mesmo ensinando e crendo que há apenas um Deus vivo e verdadeiro, os documentos protestantes afirmam que esta unidade é composta. A divindade subsiste com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Na formulação desta doutrina afirma-se que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo também é Deus, e, no entanto, não há três deuses, mas um Deus apenas.
Esta doutrina é sempre abordada com muita cautela pelos teólogos, e sempre foi atacada pelas seitas. A Igreja reconhece a dificuldade com o enunciado da doutrina, mas não se sente por isso constrangida a rejeitá-la. Por isto, as confissões foram preparadas com muito zelo e cuidado para não ferir as Escrituras e para rejeitar o erro. O reconhecimento dos documentos confessionais é o de que esta doutrina não é de fácil entendimento para as mentes humanas, porém que, não obstante as dificuldades, é claramente ensinada na Escritura.
A Confissão Belga, por exemplo, reconhece esta dificuldade. No seu artigo 9, que trata do testemunho da Escritura sobre a Trindade, ela diz que “embora esta doutrina ultrapasse o entendimento humano, cremos nela, baseados na Palavra, e esperamos gozar de seu pleno conhecimento e fruto no céu.” Ainda que reconhecendo o mistério da Trindade, a Confissão Belga diz no artigo 8 (A Trindade: um só Deus, três pessoas): “Conforme esta verdade e esta palavra de Deus, cremos em um só Deus, que é um único ser, em que há três Pessoas: o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. Estas são, realmente e desde a eternidade, distintas conforme os atributos próprios de cada Pessoa.”
Na Confissão Escocesa encontramos logo no primeiro capítulo, que trata da doutrina de Deus, a declaração de que Ele é “um em substância e, contudo, distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.” Com uma afirmação semelhante, a Segunda Confissão Helvética fala que o Deus “uno e indiviso é inseparavelmente e sem confusão, distinto em pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo.”
É também no primeiro capítulo que os Trinta e Nove Artigos da Religião expõem a fé na Trindade Santa dizendo: “Na unidade desta divindade há três pessoas, da mesma substância, poder e eternidade:o Pai, o Filho e o Espírito Santo.”
Vemos que as confissões, ao mesmo em tempo em que subscrevem a unidade da deidade, distinguem cuidadosa e inconfundivelmente cada uma das três Pessoas divinas. A importância disto reside no fato de que a doutrina é protegida contra o erro do politeísmo por um lado e da unicidade absoluta, que não admite distinções pessoais em Deus, por outro lado. Na continuação de sua exposição, a Segunda Confissão Helvética diz que “não há três deuses, mas três pessoas, consubstanciais, co-eternas e co-iguais, distintas quanto às hipóstases e quanto à ordem, tendo uma precedência sobre a outra, mas sem qualquer desigualdade.”
A Confissão de Augsburgo, após afirmar a unidade de Deus, diz que “todavia há três pessoas nesta única essência divina, igualmente poderosas, igualmente eternas, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, todas três uma única essência divina, eterna, indivisa infinita, de incomensurável poder, sabedoria e bondade, um só criador e conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis.”
A já mencionada Confissão de Fé da Guanabara, após expor a ideia da unidade de Deus, diz que Ele é “distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que não constituem senão uma mesma substância em essência eterna e uma mesma vontade.”
Como não poderia deixar de ser, a CFW traz o seguinte texto no 2º capítulo II: “Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade – Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo”.
Dentro da análise do ensino das confissões sobre a triunidade de Deus, é importante destacar que há também uma unidade de pensamento no que tange as assim chamadas propriedades distintivas de cada Pessoa divina. Este ensino pode ser resumido como segue: o Pai não é de ninguém, o Filho é gerado pelo Pai e o Espírito procede do Pai e do Filho.

3. O Ensino Bíblico

Uma vez que todos estes documentos confessionais afirmam sua fé na Escritura como única regra de fé e prática, é necessário analisar seus ensinos à luz da Palavra de Deus.
Falando em termos de unidade divina, a Escritura não deixa dúvida quanto a esta verdade. Que Deus é um, vemos com clareza em abundantes textos escriturísticos (Dt 6.4; Is 44.18;1ª Co 8.6). Esta verdade, por sua natureza inquestionável, dificilmente é negada, seja qual for a ramificação do Cristianismo. A fé em um Deus uno sempre foi um requisito indispensável para o exercício da verdadeira religião do povo de Deus ao longo da história. Deus sempre exigiu exclusividade de culto à Ele, condenando a idolatria e a adoração de falsos deuses (cf. Êx. 20.3-6). Esta ideia permanece no período da Nova Aliança (Mt 4.10).
Enquanto que a noção da unidade de Deus não representou grandes problemas para a Igreja, não se pode dizer o mesmo da doutrina da Trindade. Esta, por sua vez, foi e continua sendo alvo de duras críticas e sempre foi um mistério para todos. O que, no entanto, prevalece na Igreja de Cristo é que a doutrina da Trindade é a que representa com mais fidelidade a doutrina ensinada na Escritura.
Podemos encontrar no Antigo Testamento alguns indicativos da pluralidade existente em Deus. No Gênesis, por exemplo, Deus fala de si mesmo no plural (1.26; 3.22; 11.7). O Senhor é constantemente chamado de Salvador no A.T., título este que, no Novo Testamento, é aplicado mais frequentemente a Cristo (Is. 25.9; Tt2.13). O profeta Isaías, vaticinando sobre o nascimento do Messias, o chama de Deus (Is. 9.6). Talvez tenhamos, em Zacarias, um dos maiores exemplos de distinções pessoais em Deus. No capítulo 2, versos de 8 a 10, vemos um que envia e outro que é enviado, e ambos são chamados pelo nome sagrado de Deus, Yahweh.
Esta doutrina é apresentada mais claramente no Novo Testamento. Os três manifestam-se conjuntamente no batismo de Cristo (Mt 3.16-17). Por ocasião da grande comissão, Jesus ordena que os discípulos batizem os conversos “em o nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). A benção apostólica envolve o nome dos três (2ª Co 13.13).
Vemos então que a Santa Escritura atesta a triunidade divina, ainda que isto pareça algo embaraçoso para o nosso entendimento. Os reformadores já diziam no passado que o finito não é capaz de compreender o infinito. Porém, esta verdade, por estar contida na Bíblia, foi abraçada pela Igreja do Senhor e continua fazendo parte do seu conjunto de crenças. Nossas confissões a subscrevem, porém nenhuma autoridade elas teriam caso não encontrassem amparo nas Escrituras. Elas, no entanto, confirmam a existência triúna de Deus.

5. Conclusão

Entendemos que nenhuma comunidade pode declarar-se herdeira da fé protestante ou reformada sem que subscreva a doutrina da Trindade. Conforme foi demonstrado, não há espaço para qualquer abordagem não-trinitária da divindade no pensamento da Igreja. Esta é a fé universal do povo de Deus.
Esta doutrina não é originada das confissões, como se elas possuíssem algum grau de autoridade espiritual sobre a Igreja. Elas nada mais são do que a exposição daquilo que a Igreja crê; elas não foram dadas pelo sopro de Deus assim como as Escrituras (2ª Tm 3.16). A formulação da doutrina trinitária depende exclusivamente da revelação bíblica. As confissões apenas expõem, de forma sistemática, aquilo que a Escritura apresenta como doutrina. Isto faz com que evitemos uma possível e infundada superestimação das confissões, igualando-a à Escritura.
A doutrina da Trindade nos faz lembrar do nosso compromisso de honrar o único e verdadeiro Deus, o Deus trino e uno da Escritura. Recorda-nos da nossa missão de prestar culto igualmente ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, reconhecendo que os três são o nosso único Deus, o mesmo Deus de nossos antepassados. Os documentos confessionais das igrejas reformadas nos auxiliam na compreensão da doutrina e nos encorajam a vivermos uma vida que glorifique única e exclusivamente às três pessoas divinas, assim como todos os santos de Deus ao longo da história o fizeram.

BIBLIOGRAFIA

AUGSBURGO, Confissão de. Artigo 1.
BELGA, Confissão. Artigo 1 e 8.
ESCOCESA, Confissão de Fé. Capítulo 1.
GUANABARA, Confissão de Fé da. Artigo 1. 
HELVÉTICA, Segunda Confissão. Artigo 3º.
RELIGIÃO, Os Trinta e Nove Artigos da. Artigo 1.
WESTMINSTER, Confissão de Fé de. Capítulo 2.



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